Texto e fotos: Clovis Jardim Farias
Um dos muitos sonhos de menino era a fascinação em poder assistir o espetáculo mágico de cores da Aurora Boreal. Planejava esta viagem a havia mais de dois anos. Em abril de 2014, um amigo fotógrafo convidou-me para assistir uma apresentação de um aventureiro sobre uma peculiar viagem à Escandinávia para “caçar” as luzes da meia-noite. Este foi o estopim de uma decisão que culminou no planejamento e consecução desta aventura.
Com um roteiro espartano de 10 dias e bem focado na Lapônia, zarpei de Porto Alegre em janeiro de 2015 com minha companheira de aventuras Lisette chegando à capital da Finlândia, Helsink, tarde da noite após três conexões e 15 longas horas de vôo. No hotel adormecemos como anjos. A escolha da época em pleno inverno europeu não foi ao acaso. A magia das “luzes do norte” é indubitavelmente mais visível nesta estação. Apesar do frio intenso, o povo deste país escandinavo está preparado e acostumado a viver nestas temperaturas.
Como nosso objetivo era cruzar o Circulo Polar Ártico, na manhã do dia seguinte estávamos novamente nas asas da Finnair rumo a uma cidadezinha da Lapônia no norte deste país gelado de nome Rovaniemi.
A cidade é cercada por floresta boreal e apresenta temperatura média anual de +0.2 °C, tendo registrado -47.5 °C, sua mínima absoluta em janeiro de 1999 e pela sua situação geográfica, é tida pelas crianças como sendo a terra natal do Papai Noel.
A recepção de -20°C em Rovaniemi revelou-nos que o Ártico mostraria suas garras. Aproveitamos os primeiros dias para conhecer um pouco desta cidade que tornou-se nossa base pelos próximos 10 dias. (foto 03) Nosso hotel bem localizado, proporcionou uma situação hilária antes de obtermos roupas apropriadas para resistir ao frio. Uma rua separava a porta automática do hotel com a porta de entrada do maior shopping da cidade. Permanecíamos abrigados no interior saguão aguardando o sinal verde de um semáforo em frente para cruzarmos a rua em disparada até a porta do shopping evitando a overdose de exposição ao frio do ambiente externo.
No inverno nesta parte do globo, o sol é raro em nos brindar. A tênue luminosidade do dia inicia por volta de 10 e finda com a escuridão total às 16h.
No quarto dia, seguindo em rodovia para Kemi, foi possível navegar durante 4 horas em um dos poucos quebra-gelos turísticos do mundo, o Sampo. Após um breve tour pelo navio, fomos recebidos pelo capitão com uma excelente sopa de salmão. Cruzando a solidão do gelo no golfo da Bótnia, uma parada obrigatória para os mais corajosos foi vestir roupas impermeáveis na cor laranja e boiar entre o gelo recém fragmentado de 1 metro de espessura. Apreensivo, confesso que perdi alguns minutos procurando um “furinho” na roupa antes do mergulho.
Ainda em Kemi, acompanhamos a cerimônia de inauguração da temporada do Hotel de gelo Lumilinna com direito a show pirotécnico e apresentação do grupo Sonata Arctica. Em meados de abril a fortaleza começa a derreter sendo edificada ano a ano a partir de dezembro desde 1996. Artistas de renome mundial são convidados a esculpir paredes e os mais de 20 quartos do hotel. Cada recanto tem um tema a escolha de cada mestre. Mas nem tudo é “cinderela”. A temperatura interna não excede aos -5 °C e não há banheiros nos quartos. No caso de um “aperto” durante a noite, a “casinha” literalmente fica lá fora.
No quinto dia continuamos nossa aventura e seguimos mais ao norte acima do círculo Ártico chegando em uma aldeia próxima a Saariselkä onde tivemos contato com cultura do povo Sami. O aldeão Makkus e sua esposa Salu explicitaram suas tradições e seus costumes junto a uma lareira com um chá quente e biscoitos caseiros. As renas são primordiais para o povo Lapão. No final, um passeio pilotando um trenó puxado por estes ajudantes de Papai-Noel e a inesperada entrega de uma habilitação de condução válida por 5 anos culminou esta visita.
Próximo a Saariselkä, em local que não se pode deixar de ir, chegamos a “aldeia não oficial” do Papai-Noel de Kaksauttanen (a oficial localiza-se em Rovaniemi). Estabelecido em local retirado da cidade, fomos recebidos por uma ajudante vestida de vermelho. À noite, longe do burburinho comum em zonas turísticas, percorreu o vilarejo conosco mostrando o encanto do lugar. No final da caminhada, cruzamos uma ponte de madeira e chegamos à morada do bom velhinho. Na temática cabana rústica “ele” fez a cruel e fatídica pergunta: Fostes um bom menino este ano?… Por fim, com um esplêndido jantar na Casa de Cerimônias da aldeia decorada com enfeites natalinos, nos recolhemos para a área de hospedagem onde aconchegantes iglus de vidro espalhados pelo bosque propiciaram o vislumbre da impressionante Aurora Boreal sem tremer de frio. Com condições climáticas favoráveis – baixas temperaturas e céu limpo – por volta das 23h30 o show de luzes começou. A iluminação dos passeios aos iglus foram desligadas permanecendo somente as luzes do firmamento. Este fenômeno depende das explosões solares e seguem um ciclo de 11 anos. Não poderíamos perder nada. Permaneci fora do abrigo de vidro por mais de duas horas, em temperaturas abaixo de -25 graus, até me satisfazer com as fotos ou meus dedos congelarem antes. Não recordo bem o que ocorreu primeiro… No restante da noite nos maravilhamos no interior do iglu a 16 graus. Como pesquisei dicas para fotografar esta dança de luzes e cores antes da viagem as quais relaciono no final deste relato, consegui ótimos registros na forma que outros menos desavisados não conseguiram. Este foi o principal assunto discutido entre os “boreal hunters” durante o café da manhã do dia seguinte.
No sexto dia, “desembarcamos” na pequena cidade montanhosa de Saariselkä. Um desafiador tobogã na neve, a divertida mas infrutífera tentativa de pesca em um lago congelado e a experiência de degustar carne de rena com uma típica cerveja finlandesa foram os pontos altos. (Posteriormente já em Porto Alegre, uma amiga me perguntou em tom de brincadeira: “Clovis, tu tivestes a coragem de comer o Rudolf?“)
Retornamos a Rovaniemi no oitavo dia com uma parada na aldeia oficial Santa Park próxima a cidade. Local turístico e não tão aconchegante quanto a aldeia em Kaksauttanen. Visitamos a casa no Noel cercada de lojas e comércio, tiramos uma foto oficial com ele e percorremos a vila até o posto dos correios para onde todas as cartas do mundo endereçadas a Santa Claus são oficialmente encaminhadas. Postamos cartões para parentes e amigos.
No nono dia, já em Rovaniemi, aproveitamos para trilhar o congelado rio Kemi em uma moto-neve. Com um treinamento rápido e básico esta “motocicleta de pingüim” é de fácil manejo, mas um leve toque no acelerador e ela dispara como o vento. Correr na neve fofa foi uma ótima sensação. Apesar de uma nevasca que insistia em nos açoitar, percorremos o Kemi por uma hora e meia até um canil de treinamento de cães da raça Husky voltada para trenós. Fomos recebidos por Philip, um francês voluntário no canil, com chocolate quente e uma verdadeira aula sobre a vida destes melhores amigos do homem. Não faltou um pequeno percurso pelo bosque no comando de um “sled dog” com um time de cães de primeira linha. Visitamos o interior do canil com mais de 200 afáveis Huskys. Conforme instruções, tiramos as luvas de couro para acariciar as estrelas dos trenós pois o cheiro das luvas são freqüentemente confundidos com comida.
Ainda em Rovaniemi, um passeio necessário foi a visita ao Arktikum. O mais completo museu sobre o Ártico da Escandinávia. Sua arquitetura é singular e lembra os arcos peculiares dos iglus. No interior um acervo impressionante da história e da cultura dos povos e sua interação com este mundo gelado.
Retornamos ao calor dos trópicos no décimo dia, mas não ficamos às margens da “instituição oficial da Finlândia”, experimentamos por fim uma típica sauna seca finlandesa.
DICAS PARA FOTOGRAFAR A AURORA BOREAL:
- Instalar a câmera em um tripé;
- Colocar o foco no infinito (tarefa mais difícil – faça antecipadamente em local iluminado);
- Abra todo o diafragma da lente – menor valor possível ;
- Utilize a ISO mais alta possível – acima de 800 – mas sem comprometer na granulação da imagem;
- Obturador abaixo de 30″ – teste tempos do obturador x valores de ISO com várias exposições;
- Utilizar disparador com retardo;
- Carregue uma pequena lanterna para manejo do equipamento no escuro;
Leve um trevo de 4 folhas para “dar sorte” na caçada e “Hand warmers” nos bolsos, extremamente necessário.